quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

“Neste mundo, é imediatamente evidente que algo de muito estranho se passa. Não se vê uma só casa nos vales ou nas planícies. Toda a gente vive nas montanhas.
 

Em dado momento, os cientistas descobriram que o tempo flui mais devagar à medida que aumenta a distância ao centro da Terra. O efeito é mínimo, mas pode ser medido com instrumentos extremamente sensíveis. Quando o fenómeno se tornou conhecido, algumas pessoas, na ânsia de se manterem jovens, foram viver para as montanhas. É impossível vender casas noutro sitio qualquer.
 

Muitos, porém, não se contentam simplesmente em ter as suas casas na montanha. Para maximizarem o efeito, constroem as suas casas sobre estacas. Por esse mundo fora, os cumes das montanhas estão cobertos de casas dessas, casas que à distância se assemelham a bandos de pássaros gordos de pernas altas e ossudas. Os mais preocupados com a longevidade construíram as suas casas sobre estacas elevadíssimas. Na verdade, há casas que chegam a atingir setecentos metros de altura, empoleiradas nas suas pernas de aranha. Elevação tornou-se sinónimo de posição social. Quando alguém chega à janela da cozinha, e tem de olhar para cima para ver um vizinho, acredita firmemente que esse vizinho vai levar mais tempo a ficar com as pernas enferrujadas, sem cabelo, com a pele enrugada ou sem apetites românticos. Do mesmo modo, quem tem de olhar para baixo, para uma outra casa, tende a considerar os seus ocupantes como envelhecidos, fracos e pouco espertos. Há os que se gabam de ter vivido toda a vida lá no alto, de ter nascido na casa mais alta do cume da mais alta montanha e de nunca lá terem saído. Esses celebram a sua juventude frente ao espelho e passeiam-se nús pelas varandas.
 

De vez em quando, os afazeres do quotidiano obrigam as pessoas a descer do alto das suas casas; mas é à pressa que o fazem - descem a correr por intermináveis escadas, dirigem-se velozes para outra escadaria ou para o fundo do vale, fazem o que têm a fazer e regressam o mais depressa possível às suas casas ou a qualquer outro lugar igualmente elevado. Sabem que o tempo passa um pouco mais de pressa a cada passo descendente e que, por conseguinte, também elas envelhecem um pouco mais depressa. Quando se encontram ao nível do solo, nunca se sentam. Correm de um lado para o outro de pasta na mão ou carregando as compras.
 

Em cada cidade há sempre um punhado de pessoas que não se importam de envelhecer alguns segundos mais depressa que os vizinhos. São as almas aventureiras, as que descem ao mundo inferior e aí passam dias a fio, deitadas à sombras das árvores que crescem nos vales, nadando tranquilamente nos lagos que se espraiam nas altitudes mais amenas, ou simplesmente rebolando-se no chão. Raramente consultam o relógio e nunca são capazes de dizer se é segunda ou quinta feira. E quando os outros passam a correr e troçam delas, limitam-se a sorrir.
 

Com  tempo, as pessoas esqueceram qual a razão por que mais alto é sinónimo de melhor. Todavia, continuam a viver nas montanhas, a evitar tanto quanto o possível os vales profundos, a dizer aos filhos que se afastem das crianças que vivem abaixo deles. Suportam o frio da montanha por tradição e apreciam o desconforto por educação. Estão até convencidas de que o ar rarefeito é bom para a saúde e, por essa lógica, adoptaram dietas restritivas, rejeitando todos os alimentos que não sejam extremamente leves. Como tal, a população acabou, com o tempo, por ficar tão rarefeita como o ar, só pele e osso, nada mais, e precocemente envelhecida.”
Alan Lightman in Os Sonhos de Einstein
 

3 comentários:

  1. Este texto é muito mais que uma coisa bonita!
    Gostei muito :)

    Obrigada maninho pela partilha... :)
    Beijoca apertadinha*

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  2. Por isso, como eu sou pequenina,só tenho que olhar para cima. Eh,eh,eh....

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